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Foto do escritorInocêncio Oliveira

A Invisibilidade Social

Em épocas como as natalinas, a população desperta para as diferenças sociais. Às vezes, procurando compensar esquecimentos de algumas pessoas que mal percebemos durante o ano, que não seja para compor as necessidades de “recursos” no atingimento de nossos objetivos. Então, providenciamos uma “cesta de natal”, alguns presentinhos simbólicos, sem exacerbar o orçamento do final de ano, que já é bastante oneroso. Assim é que pensamos.

A princípio, acreditamos que as pessoas não sejam translúcidas. Muitas são as que são invisíveis aos olhos de outras pessoas. A invisibilidade pública, ou invisibilidade social, é um fenômeno que atinge principalmente as pessoas que trabalham em atividades consideradas irrelevantes pela sociedade, comumente aquelas que são prestadas pelos serviçais ou foram executadas por escravos, no tempo em que existiam.


Estudos evidenciaram que os antagonismos de classe se manifestam da seguinte forma: tais antagonismos fazem com que seja percebida a função, e não a pessoa que executa a função, como veremos a seguir.

Com o intuito de realizar uma pesquisa que viria a compor sua dissertação de mestrado sobre o tema, Fernando Braga da Costa, psicólogo da Universidade Federal de São Paulo - USP, vestiu o uniforme dos garis da Universidade e assumiu o ofício da limpeza do espaço universitário. Ele, habituado ao ambiente amistoso em que trabalhava, cumprimentava até os menos conhecidos. O resultado de sua experiência levou-o a uma surpresa: concluiu que o mesmo calor humano que lhe era dispensado na condição de docente, já não lhe foi dispensado como gari da USP. De acordo com os dados coletados na pesquisa, Fernando concluiu que quando as pessoas passam por um gari, nem ao menos lhes ocorre a atitude de cumprimentá-lo. Na realidade, as pessoas não o percebem. É como se ele não estivesse ali.


O pesquisador também relata que o sentimento de humilhação dos garis é constante. As pessoas os olham com desdém ou simplesmente não os olham. Atrapalham seu trabalho, pedem-lhes que interrompam priorizando suas próprias necessidades. Passam por cima do lixo que os garis estão coletando, apenas para considerar alguns relatos. Essa humilhação, em geral, vem de pessoas que nunca passaram por situação semelhante à deles e que, provavelmente, não passarão.


Recentemente, em uma cooperativa, passei por uma experiência que não imaginava passar. Estava eu em uma sala de treinamento, em que ocorria o último módulo de um programa de um ano de duração. Então, a copeira abriu a porta, me interrompendo para perguntar-me em que hora gostaria que fosse servido o coffee-break. Solicitei-lhe que entrasse na sala, coloquei meu braço sobre seus ombros (o que ela sutilmente recusou) e perguntei ao grupo de alunos se eles sabiam seu nome. Após um ano de convivência com a copeira, duas vezes ao dia, nem um aluno sequer se apresentou. Eu então solicitei dela que dissesse seu nome e o que ela fazia naquela cooperativa, e que o público a aplaudisse.

Na tarde do mesmo dia, repetiu-se a cena, e eu pedi que a Andréia adentrasse à sala. Ela se recusou. No dia seguinte, evitando de fazer a pergunta habitual, solicitou de uma menor aprendiz que o fizesse por ela. Ao abrir a porta para solicitar a informação do horário do coffee-break, solicitei a aprendiz que entrasse e se aproximasse de mim. Tal como fiz com a Andréia, procedi apresentando a nova cooperadora. Ela disse que se chamava Ágata, que era menor aprendiz e, mais uma vez, solicitei-lhes aplausos.

Da experiência, por iniciativas das próprias Andréia e Ágata, foi dado conhecimento a todo o Departamento do qual elas participam. Assim sendo, a informação circulou parecendo um fato inédito e inesperado.

Na semana seguinte, estava eu em outra turma, em um último módulo de outro programa de duração anual, na mesma cooperativa, quando chega Andréia para fazer a pergunta rotineira. Esta turma havia tido conhecimento do ocorrido. Um dos participantes solicitou que Andréia entrasse, e lhe foi entregue um presente de agradecimento por tudo que ela havia feito durante este ano de 2013.

Andréia acredita que fui eu quem providenciou o presente que lhe foi ofertado, ainda que eu não tenha nenhuma responsabilidade sobre o fato, ou sequer lhe tenha divulgado. Porém, ela não acredita que não seja eu.

Neste mesmo dia, Ágata, segurando-me a mão, procurou saber se ela me veria novamente ainda este ano. Sorridente, confirmei-lhe que sim, a que ela respondeu-me também com um sorriso.

Concluí que o fenômeno da invisibilidade social é tão desconhecido, quanto são inesperadas e estranhas as atitudes de quebra da invisibilidade pela promoção da visibilidade das funções tidas como de segunda categoria, pela valorização daquelas pessoas que as ocupam.



Texto elaborado por Inocêncio Magela de Oliveira para a Revista Conceito em 06/12/2013.

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